|
INCLUSÃO ESCOLAR, O OUTRO LADO DA MOEDA!
Prof. Múcio Morais
A experiência da inclusão escolar tem sido uma discussão com
parâmetros de política social, de certa forma concordo com esta abordagem,
mas este processo vai muito além daquilo que as políticas públicas e a
própria legislação podem alcançar.
Fui um “incluído” sim, de origem bem precária, com déficits em todas
as áreas da vida, cheguei em um capital para seguir os estudos e me deparei
com um mundo muito diferente do meu. Experimentei o preconceito sem entender
o que estava errado comigo, fui julgado por comportamentos que eram naturais
até alguns meses, fui colocado em posições que eu não via sentido, chamado a
sonhar quando tudo que vivi até aquele momento foi a dura realidade de um
dia após o outro.
Eu não via as mesmas coisas que as pessoas viam, uma festa na turma
não tinha nenhum significado para mim, roupas da moda nem se fala, eu usava o
que ganhava, e era bom demais. Eu comunicava, mas as pessoas não entendiam,
eu dava minha impressão e era ridicularizado, mas aquilo era minha leitura,
tinha meus modelos comportamentais, mas eram vistos como afronta e às vezes como estupidez, fui disciplinado por fazer xixi atrás de uma planta no pátio
da escola, tratado como um tarado, imoral, mas era assim que a gente fazia lá
na roça.
Minha motivação para fazer algo era apenas ser elogiado, reconhecido,
um simples “gostei” de meus professores já me bastava, enquanto meus colegas
competiam, motivados a serem o melhor, superação, protagonismo, eu sequer
sabia dessas coisas, por isso passavam sobre mim como tratores, eu raramente
senti que fiz bem feito.
Minhas notas eram muito ruins, mas eu me esforçava, não conseguia
aprender, assimilar aquela linguagem tão acima de mim. E cheguei a ouvir
várias vezes a expressão. Não posso atrasar a turma por sua causa, sim, eu era
um entrave. Nunca fui destaque em nada na minha vida escolar, eu apenas não
desisti.
Aos poucos fui percebendo a minha anormalidade, desajuste,
inadequação, tentei voltar para a roça, mas a família não deu importância pra
isso.
Normal, esta era a palavra que mais me incomodava, pois eu não
entendia o que significava, haviam duas ou mais visões e a minha normalidade
era questionada o tempo todo. Definitivamente eu não era normal. Quando eu
era enfático, tomavam-me por agressivo, quando eu ficava quieto, era tido
como inerte, sem atitude, às vezes eu ficava bravo, tantos conflitos
interiores, cheguei a ser levado para um hospital de loucos, em BH chamado de
Galba Veloso. Um manicômio.
Mas sabem o que eu queria? Apenas entender o mundo novo para o qual
as pessoas queriam me levar, me incluir, eu estava disposto, mas meus
instintos, memórias, crenças, valores, hábitos, comportamentos, julgamentos,
avaliações, visão de mundo, presente, passado, futuro, certo, errado, bom e
mal, borbulhavam dentro de mim, eu só precisava de alguém para me explicar
algumas centenas de vezes até eu entender. Não é assim que fazemos com nossos
filhos? Quantos filhos aprendem de primeira? Nenhum. Eu também não.
Outro momento de indisciplina era quando eu entrava calorosamente nas
discussões até que aos poucos ia concordando e aceitando argumentos, afinando
meus pensamento e tendo um alívio emocional, meu impulso inicial era
discordar, mas em algum momento eu atendia a alguma sobriedade e aos poucos
chegava a um alívio emocional, era assim que eu me comunicava, mas era
mandado para a diretoria como indisciplinado, eu só precisava ser educado na
forma de abordar as questões e aprender respeitar meus colegas, não sabia
nenhum desses conceitos.
Lá em casa, ser chamado na escola era um drama, as pessoas
brigavam para ver de quem era a vez.
Eu fui criado até os 12 anos por parentes, tias e primas, meus pais
se separaram quando eu ainda era quase um Bebê e fui entregue a algumas
famílias para ser cuidado, meu Pai manteve contato frequente e interferiu em
minha educação, minha mãe foi refazer a vida e mais tarde me buscou para
estudar, enfim, cada um fez o que pôde. Este era meu modelo de família.
Retomando, a escola não chamava para elogiar, dar boas notícias sobre
melhoras, agradecer por minha presença, dar um presente, pedir autorização
para me levar para um passeio, NUNCA! Era só encrenca, como a escola quer
incluir um aluno com uma relação puramente crítica e punitiva com a família e
o aluno? Eu passei por isso, meu coração disparava quando a escola chamava.
Sabe? Eu muitas vezes fui duramente castigado por coisas que eu não
entendia, nem minha família entendia, mas uma coisa era certa, eu estava
errado e precisava de disciplina.
A VIRADA
Em 1976 fui morar com meu Avô Oswaldo, e, fiquei também mais perto de
meu Pai, que exercia uma grande influência sobre mim, um dos melhores seres
humanos que já conheci, sensível, alegre, comunicativo, amoroso, genial, suas
características o faziam ser querido por quase todos, então em um gesto
involuntário, comecei a imitá-lo, e isso me ajudou muito. Ter um ídolo faz
diferença e meu avô e meu pai se tornaram meus ídolos.
COLÉGIO PADRE EUSTÁQUIO
Eu estava certa vez sentado na Igreja, pensando sobre a vida, naquele
momento eu tinha 13 anos, um sacerdote observava a cena e se aproximou, oi
menino, você precisa de alguma coisa? Respondi, sim, preciso de uma chance!
Naquele momento fomos até minha casa, ele conversou longamente com
meu avô e conseguiu meia bolsa e mais alguns descontos para que eu pudesse
estudar em uma das melhores escolas de Belo Horizonte, mas só havia um
probleminha, eu era super atrasado em todas as matérias, tido como
indisciplinado, indiferente, com dificuldades de aprendizagem, comportamentos
inadequados, origem social precária, histórico de diversas violações, e,
aparentemente portador de Síndrome de Asperger. Um desafio que a escola não precisava,
mas aceitou.
Fui naquela época para a 5ª Série, (atual 5ºANO) logo de início meus
professores pegaram o desafio de me empatar com a turma, sei que eu era
assunto diário entre o corpo docente, discutiam estratégias, pensavam em como
me fazer sentir parte, levantar minha autoestima, me ajudar a encontrar minha
identidade, enfim, ao logo de sete anos tive muito mais que professores, tive
pais, amigos, ídolos, modelos, mestres, guias, mentores e torcedores.
A afetividade era a tônica do relacionamento dos meus professores
comigo, era tratado como alguém especial no real sentido da palavra, meus
colegas eram incentivados a me reconhecerem nas menores coisas, fui corrigido
inúmeras vezes, mas sempre com um ar de esperança, meus hábitos “estranhos”
foram interpretados e com paciência reestruturados, ganhei abraços, beijos,
elogios e meu avô foi aplaudido na reunião de pais por meus “grandes feitos”
na escola.
Um de meus professores, Alair (Geografia/educação física) era um
militar do exército, um homem grande e forte, de poucas palavras, me colocava
como guia na Ed física, mesmo eu sendo o mais franzino da turma, também me
deu, entre outras, uma ordem, você nunca vai beber ou fumar, entendido
soldado? Sim Senhor professor Alair! Pois é, eu nunca bebi nem fumei, até
hoje.
Não pretendo desobedecer a esta ordem.
Minha Professora Eva (História) ao perceber meu olhar moleque para as
meninas, chamou-me a parte e me disse o que era ser um grande homem e parte
disso era respeitar as mulheres. Isso valeu para toda minha vida.
Meu Professor Gil (português) era rígido e passava de carteira em
carteira conferindo os “para casas” eu raramente conseguia fazer, eu tinha um
branco, não me lembrava de nada, ele entendia isso, passava por mim e acenava
com a cabeça positivamente, sim, ele me ensinou misericórdia, empatia e amor.
Mantemos contato até hoje, recentemente fizemos uma viagem pelo interior de
Minas, eu e ele de carro, imagine que honra.
Enfim, vamos falar de inclusão?
Os desafios que enfrentamos são humanos, não tanto operacionais ou
estruturais, estes existem sim e não podemos ignorar, o descaso do poder
público com manutenção de um serviço mínimo nas escolas, com monitores
heroicos que têm que se virar, sem capacitação, orientações técnicas e sem
monitoria ou planejamento de progresso. Um serviço de babá de luxo.
O que dizer da escola como responsável por educar crianças em
estágios avançados de patologias que necessitam especialistas e ambientes
preparados para intervir. Mas são “jogados” na escola e ao invés de
evoluírem, muitos acabam por tomar aversão ao ambiente escolar, o que vai
comprometê-los decisivamente quanto ao futuro.
O que dizer da inclusão como um espaço de pena e compaixão onde os
demais alunos, também excluídos do processo de sociedade, apenas convivem com
os coleguinhas “com problemas.”
Isso não é inclusão, é confusão!
Múcio Morais
Vamos falar de inclusão?
Ligue WhatsApp 031 99389-7951
|