Leonídio Ribeiro
A inversão sexual, problema sem solução que acompanha o
homem, desde os tempos mais remotos, era assunto que não podia ser tratado, em
público, por ser contrário aos bons costumes e à moral.
Nos fins do século passado começou a questão a ser
ventilada, à luz de argumentos científicos, para que a humanidade pudesse,
afinal, beneficiar-se desses estudos, tentando corrigir defeitos e doenças tão
tristes e tão deprimentes da natureza humana.
Tarnowsky, na Rússia; Havelock Ellis, na Inglaterra;
Charcot, Magnan e Feré, na França; Westphal, Kraft-Ebing, Moll e Hirschfeld, na
Alemanha; Lombroso, na Itália; Freud, na Áustria, foram os primeiros homens de
ciência que tiveram a coragem de iniciar um movimento científico nesse
sentido,4 orientando tais estudos em novos rumos e rompendo com os preconceitos
de toda a sorte que impediam, até então, qualquer tentativa séria nesse
sentido. Steinach, Lipschütz e Marañón5 vieram, afinal, demonstrar a
importância do fator endocrinológico na explicação das diversas alterações dos
caracteres sexuais do homem.
Enriquecida com tantos e tão importantes meios de trabalho,
pôde constituir--se, afinal, uma ciência nova, a Sexologia, que já possui, em
várias línguas, uma verdadeira biblioteca, e cujos estudos estão fadados a um
desenvolvimento cada vez maior, em benefício da humanidade.
O problema da sexualidade tinha relações apenas com as
glândulas genitais, variando com o seu maior ou menor desenvolvimento e
dimensões, assim como em relação à regularidade de seu funcionamento. Hoje
sabe-se que há outras glândulas, chamadas "parassexuais", em cuja
dependência estão as funções do conjunto do sistema glandular, isto é, da
fórmula endocrínica individual.
O professor Pende,6 criador da endocrinologia, afirma que o
desenvolvimento sexual não é determinado pelas secreções das glândulas genitais
isoladas, porque sofre a influência e é estimulado ou inibido pelo complexo
hormonal geral do organismo humano. Existe uma verdadeira correlação entre as
atividades de todos os órgãos de secreção interna, sem a qual não pode haver o
funcionamento normal de nosso organismo.
A constituição sexual, do ponto de vista morfológico, manifesta-se pelo aparecimento de caracteres anatômicos distintos, que se dividem em primitivos e secundários. Os primeiros são as gônadas sexuais e os órgãos genitais externos, de proporções diferentes em cada indivíduo, variando com causas as mais diversas e influindo na diminuição ou aumento de sua capacidade funcional, assim como no desenvolvimento satisfatório ou insuficiente do desejo sexual.
Os caracteres sexuais secundários interessam mais de perto
aos nossos estudos, visto que é por meio deles que se pode individualizar mais
facilmente os tipos humanos de um e de outro sexo.
Em regra, todo o aparelho locomotor, esqueleto,
articulações, tendões e músculos, são mais fortes e bem desenvolvidos no homem
do que na mulher. A distribuição da gordura é também diversa nos dois sexos, do
mesmo modo que os dentes, cabelos e pelos, que têm, em cada um deles, aspectos
característicos. O desenvolvimento maior ou menor da laringe é que dá o timbre
da voz, masculina ou feminina.
Inversão sexual e glândulas endócrinas7
Duas correntes opostas têm procurado explicar o problema da
inversão sexual. A primeira atribui o homossexualismo a fenômenos de natureza
psíquica, adquiridos e acidentais. Desilusões amorosas, provocadas ou agravadas
por defeitos de educação, tudo favorecido por ambientes escolares, onde há
separação completa dos dois sexos, durante a fase crítica da puberdade, e, mais
especialmente, nos casos de filhos muito acariciados pelas mães.
Para Freud, o homossexualismo repousa na ambivalência sexual
do homem. A instalação de tendências homossexuais, no decurso de seu
desenvolvimento, representaria uma fuga do indivíduo do complexo de Édipo,
renunciando ao próprio sexo. O abandono do ódio ao pai, determinando um reforço
das aspirações femininas e passivas, seria necessário à organização social,
porque esta dessexualização, por sublimação, com submissão ao pai, seria a base
essencial da vida coletiva, da coesão familiar e da solidariedade social.
Há que referir também como certas causas orgânicas, como a
encefalite, sífilis, meningite e traumatismos cranianos, podem provocar, em
certos casos, o aparecimento de tendências homossexuais. A epilepsia, paralisia
geral, mania e demência senil, são estados mórbidos que se acompanham de
manifestações do mesmo gênero, sendo de notar que, às vezes, esses sintomas se
apresentam sob a forma de delírios, com alucinações de formas as mais variadas,
especialmente delírios de perseguição, em cuja gênese os psicanalistas fazem
intervir os sentimentos de natureza homossexual recalcados no subconsciente.
A outra, mais recente, é a que afirma tratar-se de causas
orgânicas, congênitas e constitucionais, procurando demonstrar, à luz de
documentos objetivos e autênticos, que as glândulas endócrinas desempenham
papel predominante na origem das modificações patológicas da sexualidade
humana.8
Esta última tem recebido confirmações eloquentes, sobretudo depois da moderna concepção do interssexualismo, de Goldsmidt e Marañón, mostrando que cada indivíduo é, ao mesmo tempo, portador de elementos dos dois sexos, caracterizando-se, na prática, cada um deles, pela predominância de uns ou de outros, fazendo, afinal, pender a balança para um ou para outro lado. Sendo assim, não poderá existir, como não existe, nem o homem, nem a mulher ideal, com cem por cento de seu verdadeiro sexo.
O que se encontra, realmente, são
indivíduos com percentagens maiores ou menores conforme o afastamento seja mais
acentuado para o extremo ou para o meio do tipo nitidamente interssexual.
Afranio Peixoto, referindo-se aos "estados interssexuais", expressão que não considera feliz, afirma: "O que há é mistura de mais ou menos, isto é, 'estados missexuais'. O macho bem viril e a fêmea bem materna serão 90%, mas há relações bem menos avultadas das quotas respectivas, até as aparências grosseiras do hermafroditismo ou da chamada inversão sexual.
Tal noção permite compreender até aquilo que parece
incongruência ou paradoxo da natureza. Por exemplo, um invertido que tem filhos
e amantes, uma lésbica que tem marido e filhos, estarão na zona média dos
'missexuais', as imediações dos 50%. O gonocorismo ou diferenciação sexual,
jamais será perfeito; será sempre relativo, de 1 a 99%. Entre esses extremos
estão todas as criaturas".
Laignel-Lavastine, prefaciando recentemente o volume de
Stanislas-Higier, declara que, em 1921, ao substituir Dupré na cátedra de
doenças mentais da Faculdade de Medicina de Paris, pôde ali notar que os
indivíduos mais frequentemente por ele observados estavam longe de ser do tipo
masculino ou feminino total, tendo então desenvolvido a sua concepção da
polarização sexual relativa, muito diversa em cada indivíduo.
Ninguém poderá mais, assim, duvidar hoje de que a homossexualidade seja um fenômeno condicionado a um estado de bissexualidade do organismo, isto é, um verdadeiro "estado interssexual".
Era noção corrente que os sexos se distinguiam um do outro por seus caracteres distintos e nítidos, havendo uma oposição em cada indivíduo, entre o masculino e o feminino, a ponto de se pensar na existência de um hormônio macho e outro fêmea, dotados de propriedades opostas.
Viu-se, depois, que os dois sexos podiam existir no mesmo indivíduo, sendo que o próprio homem, que é neutro até o segundo mês de vida intrauterina, no momento de transpor a adolescência para a idade adulta, passa por um período de feminilidade mais ou menos acentuado.
Do mesmo modo a mulher, no fim da vida,
depois da menopausa, adquire caracteres masculinos, o que prova exuberantemente
que os elementos dos dois sexos subsistem dentro de cada um de nós, em
equilíbrio instável, que pode ser rompido em diversas fases de seu
desenvolvimento normal ou em consequência de distúrbios mórbidos.
Marañón afirma que a homossexualidade tem uma base orgânica, ao contrário de Kraft-Ebing, que lhe dá uma origem exclusivamente psicológica, do mesmo modo que Freud, quando declara que, de modo algum, aceita a opinião de que os homossexuais possam constituir um grupo de indivíduos com características diversas dos homens normais.
Afirma textualmente o endocrinologista espanhol: "Não admitimos a clássica divisão dos homossexuais em congênitos ou adquiridos. Para nós, todos eles são, ao mesmo tempo, congênitos e adquiridos.
Nesta época, em que a medicina se orienta
decisivamente para o constitucionalismo, é inadmissível supor que uma
alteração, assim mergulhada na profundidade da psique e do instinto, como a
homossexualidade, possa manifestar-se sem uma predisposição congênita". E,
mais adiante, o mesmo autor acrescenta: "Podemos afirmar que dois terços,
pelo menos, destes indivíduos apresentam sinais físicos de
interssexualidade".9
Os resultados dos estudos realizados recentemente no Rio de
Janeiro, que serão aqui pela primeira vez apresentados, confirmam
integralmente, as observações do eminente mestre de Madri, cuja obra está hoje
consagrada, tendo sido já traduzida para várias línguas, como um dos trabalhos
clássicos que existem sobre o assunto.
O professor Pende, de Gênova, com a sua singular autoridade, afirma que não se deve concluir que a síndrome somática e psíquica dos invertidos sexuais possa estar subordinada exclusivamente a anomalias hormonais das glândulas genitais. E acrescenta: "Não devemos esquecer a intervenção, agora bem demonstrada pela clínica, de distúrbios funcionais de outras glândulas endócrinas, na gênese dos desvios sexuais.
É bastante recordar, no homem, o feminismo de alguns hipopituitários adolescentes assim como a homossexualidade de jovens hipertímicos, e, na mulher, o masculinismo em casos de hiperplasia e tumores do córtex suprarrenal e do lóbulo anterior da hipófise, que podem chegar até ao verdadeiro pseudo-hermafroditismo externo.
Na
origem da homossexualidade, dou grande importância à hiperfunção patológica do
timo, depois da puberdade, especialmente quando associada ao hipertireoidismo
constitucional".
No gigantismo, nanismo e acromegalia, quando está em causa a hipófise, a impotência é a regra. A insuficiência hipofisária do tipo adiposo-genital, em adolescentes, provoca uma diminuição da capacidade genital, que é aumentada nos casos de hiperfuncionamento dessas glândulas. É até possível tornar precoce o aparecimento da puberdade por meio da injeção do lóbulo anterior da hipófise. A ação da tireóide sobre os órgãos genitais é hoje incontestável, se bem que indireta.
No mixedema, a aplasia de uma se acompanha de atrofia da outra. Vidoni refere que o hipotireoidismo produz uma parada no desenvolvimento genital, com hipoplasia não só dos grandes lábios, do útero e dos ovários, como ainda dos seios e do testículo.
Na acromegalia, que tem por
causa um adenoma eosinófilo da hipófise, aumenta o volume do pênis e do
clitóris, com atrofia dos órgãos genitais internos. A insuficiência pituitária
produz hipogenesia, tendo provocado num adolescente, observado por Pende,
sinais de caráter feminino. Nos casos de tumores da glândula pineal, em
adultos, foi verificada a atrofia testicular, com impotência completa.
Outra glândula, cujos estudos modernos deram um papel primordial na explicação dos distúrbios de natureza sexual, é a suprarrenal, cujas funções estão na dependência de duas porções bem definidas, a medular e a cortical, cada qual com origens e funções diferentes, a primeira atuando pelo seu sistema cromafino, especialmente por intermédio da adrenalina, e a segunda com ação direta sobre o desenvolvimento dos órgãos genitais.
Um grande número de observações clínicas tem mostrado a influência da hiperplasia do córtex suprarrenal sobre os caracteres viris do homem. Os autores imaginaram várias hipóteses para explicar o mecanismo desta ação virilógena da substância cortical, salientando Marañón a importância do fato da inversão sexual se manifestar somente nas mulheres que tomam o tipo viriloide, enquanto, no homem, igual alteração glandular se limita apenas a acelerar a puberdade, acentuando-se a virilidade, sem o menor sinal homossexual. Daí se concluir que a substância elaborada pelo córtex suprarrenal tem uma ação favorável sobre a virilidade, tanto num como noutro sexo.
Alterações das funções sexuais aparecem
nos casos de aplasia do córtex suprarrenal, com aplasia testicular, demonstrada
já experimentalmente. Certos tumores da substância cortical, com hiperplasia,
provocam perturbações sexuais, havendo mesmo um caso em que o doente foi levado
ao homossexualismo depois do aparecimento da lesão.
Carrara e Marro mostraram que nos delinquentes contra os
costumes, e nas prostitutas, há sintomas evidentes de precocidade do
aparecimento dos hormônios sexuais, assim como de outros distúrbios
glandulares. Landogna Cassona, em cerca de 500 criminosos das prisões da
Sicília e Vidoni, em Gênova, em 400 indivíduos presos, inclusive grande número
de prostitutas, chegaram a conclusões idênticas, embora trabalhando
separadamente.
Nesse volume, afirmam: "Una circonstancia que interesa recalcar es la que las prostitutas que confesaran tendencia homosexual presentaban manifestaciones disendócrinas evidentes, caracterisadas en algunas por la presencia de obesidad de tipo genital e hipofisário, por transtornos menstruales, acusando alteraciones ovaricas en otras por bocio oxoftalmico".10
Hoossexuais estudados no Rio de Janeiro11
Foram 14312 os homossexuais por nós estudados, no
Laboratório de Antropologia Criminal do Instituto de Identificação do Rio de
Janeiro, sob o ponto de vista biotipológico, de colaboração com os drs. W.
Berardinelli, M. Roiter, Coriolano Alves e Moraes Coutinho. Esses indivíduos
foram todos detidos em casas de prostituição, algumas exclusivamente masculina,
pelo Delegado dr. Dulcidio Gonçalves, a quem aqui agradecemos o valioso
concurso prestado às nossas verificações.
Dos casos examinados apenas oito negaram a prática de atos
de pederastia passiva, sendo 133 solteiros e 2 casados, ambos com filhos; 86
eram de cor branca, 50 mestiços e 7 pretos; 62 eram menores de 20 anos, 69 de
21 a 30, 10 de 31 a 40 e apenas 2 de mais de 40 anos. As profissões
frequentemente encontradas são: trabalhos domésticos, em número de 63, sendo 25
do comércio, 10 operários, 13 alfaiates e 32 de ocupações as mais diversas.
A alteração mais importante, por nós observada, foi a
hipotensão arterial, verificada em 85 indivíduos, isto é, em 60% dos casos. A
distribuição dos pelos do púbis foi encontrada de tipo nitidamente feminino em
32 casos, sendo do tipo intermediário em 36, num total de 71, isto é, mais de
60% fora do tipo masculino normal, sendo que em 6 deles estavam raspados. Em 52
casos não havia absolutamente pelos no tórax, sendo apenas 3 os casos em que
havia exagero dos mesmos nessa região. A bacia do tipo feminino foi observada
em 20 casos, e a cintura feminina igualmente em 20 indivíduos. A ginecomastia
franca só existia em 3 casos, mas era esboçada em 13 deles.
Donde se conclui que, em quase dois terços dos casos por nós
estudados, havia pelo menos um sinal de desvio da normalidade somática, sendo
que em 60% ficou apurada a hipotensão arterial nítida, havendo em mais de 50%
uma distribuição anormal dos pelos do púbis. Tais fatos revelam
indiscutivelmente distúrbios acentuados da fórmula endocrínica, especialmente
em relação com as funções das glândulas suprarrenais.
Dentro de alguns momentos projetaremos na tela vários desses
casos, a fim de ilustrar a nossa comunicação.13 Temos encontrado os maiores
obstáculos no estudo desses indivíduos, não só pelas dificuldades materiais
para retê-los por mais tempo para outras observações em nossos laboratórios,
como ainda pela insuficiência de pessoal técnico para realizar tais pesquisas.
Estamos, ainda assim, prosseguindo em nossas verificações no ponto de vista
psicológico e em relação com os seus antecedentes criminais, cujos resultados
figurarão em trabalho posterior mais completo que publicaremos sobre o
assunto.14
Já iniciamos15 também o estudo por outros meios de
laboratório, a fim de apurar mais intimamente os seus distúrbios endocrínicos.
Assim utilizaremos a interferometria, que está sendo agora aplicada com o maior
êxito no estudo de várias doenças. Do momento que se pode medir os fermentos
correspondentes a cada glândula, é de supor que seja também possível calcular a
atividade das próprias glândulas. As expressões hiperfunção e hipofunção seriam
por esse modo fixadas em algarismos, realizando-se a endocrinometria, de
consequências as mais importantes no estudo das doenças dos órgãos de secreção
interna.
Zimmer, Lendel e Fehlow, depois de 1400 observações em
indivíduos normais, estabeleceram uma "curva interferométrica ideal".
O diagnóstico do sexo tornou-se, assim, possível no laboratório. Esses mesmos
autores, em cem casos, estudando a ação fermentativa de seus soros, puderam
acertar com o diagnóstico do sexo em 85% dos casos, sendo que dos 15 duvidosos,
dois eram adiposos endocrínicos e um completamente estéril. Em indivíduos de
sexo pouco característico, Lutz, Siegfield e Plagk, chegaram a conclusões
positivas por meio desse recurso diagnóstico.
Rink cita dois casos de hermafroditismo, em que os sinais
somáticos de um sexo se acompanhavam de sinais psíquicos do sexo oposto, nos
quais pude, pela interferometria, chegar a um diagnóstico preciso. As
conclusões desse autor são que o valor da degradação da glândula do sexo
oposto, pelo soro, representa uma força motora exercendo-se sobre o
desenvolvimento genital, no sentido do sexo oposto.
Terapêutica da homossexualidade16
Provado que o homossexualismo é, em grande número de casos,
uma consequência de perturbações do funcionamento das glândulas de secreção
interna, logo surgiu a possibilidade do seu tratamento. Era mais um problema
social a ser resolvido pela medicina.
Ao pesquisador vienense Steinach coube o mérito de haver
conseguido mudar o sexo dos animais. A partir de 1910, depois de castrar
cobaias machos e enxertar a glândula do sexo oposto, provocou neles o
aparecimento de caracteres femininos. As mesmas experiências foram repetidas,
no sentido inverso, com os mesmos resultados. A masculinização ou feminilização
nunca eram, porém, absolutas, porque permaneciam vários caracteres do outro
sexo. Sand, Pezard, Lipschütz confirmaram o fato em outros animais.
Champy tirou dessa experiência a noção de
"ambossexualidade", que definiu como "fenômenos de
desenvolvimento ou de comportamento, morfológicos ou funcionais, ligados à
presença das glândulas genitais ou à sua maturidade, e que são comuns a um e a
outro sexo".
Esta noção modificou radicalmente a ideia até então aceita
sobre o assunto, permitindo explicar certos fenômenos psicológicos, no mesmo
sentido sexual que certos fenômenos morfológicos.
Verificando-se, assim, que é possível, no laboratório, não
só masculinizar fêmeas e feminilizar machos, com transplantações ovarianas ou
testiculares, como ainda obter, no mesmo animal, o chamado
"hermafroditismo experimental", estava indicado o verdadeiro
tratamento científico dos casos de inversão sexual no homem.
Lichtenstein, em 1916, operou um doente que havia perdido os dois testículos, numa lesão de guerra, apresentando sinais de castração, isto é, acúmulo de gordura, ausência de barba, assim como configuração eunucoide dos pelos pubianos, além de incapacidade sexual.
Aproveitando a glândula testicular de outro doente, de 40 anos, operado de uma hérnia congênita dolorosa, com ectopia, esse cirurgião fez-lhe um enxerto, para logo na segunda semana o paciente recobrar o desejo sexual, realizando até a cópula, um mês mais tarde, e normalizando-se também o seu aspecto físico e psíquico, nove meses depois da intervenção cirúrgica.
Esse especialista, em 1918, fez outra implantação do
mesmo gênero, e com êxito, num homem castrado, anteriormente, em consequência
de uma tuberculose testicular. Há uma interessante observação de Dartigues, de
Paris, de um neuropata de 33 anos, cujas antigas tendências homossexuais foram
logo melhoradas, aparecendo mesmo o desejo sexual e a vontade de casar, de dois
meses depois da operação da transplantação testicular. Os enxertos ovarianos
são hoje, aliás, muito comuns na prática cirúrgica, com os melhores resultados.
Homossexualismo e crime
As práticas de inversão sexual foram em todos os tempos
considerados, pelas leis, um crime horrível e, por isso, punidas com as penas
mais severas. Os autores do "pecado nefando", nome pelo qual esse
vício era conhecido na antiguidade, chegaram a ser queimados vivos, quando não
eram castrados.
A luta contra as perversões sexuais existiu durante a idade antiga e continuou nos tempos medievais. Nas legislações penais modernas poucas foram as modificações introduzidas em relação com esses indivíduos. Em alguns países civilizados, como a Inglaterra, os preconceitos são tão rigorosos, nesse sentido, que ainda hoje eles são punidos com trabalhos forçados.
A primeira
obra de Havelock Ellis, sobre a inversão sexual, foi mandada confiscar, por um
Juiz de Londres, e o processo e condenação de Oscar Wilde constituiu, na época,
um verdadeiro acontecimento na vida do povo inglês, tamanha foi a repercussão
que teve em todas as suas camadas sociais. E, ainda em nossos dias, um espírito
superior como o de Bernard Shaw proclama a violenta repugnância que tem pelos
homossexuais, o que prova que tudo mudou na Inglaterra, menos os preconceitos
contra esses pobres doentes.
Os Códigos da Suíça, da Áustria e da Alemanha ainda hoje punem a homossexualidade como um delito, em qualquer condição que seja praticado. O projeto de reforma da legislação penal da Itália, de 1927, em seu artigo 528, dizia: "aquele que, fora dos casos previstos nos artigos de 519 a 521, pratica atos de libidinagem, com pessoas do mesmo sexo, ou se presta à prática de tais atos, é punido, se do fato resultar escândalo público, com seis meses a três anos de prisão.
A pena será de um a cinco anos se o culpado, sendo maior de vinte anos, praticar o ato com menor de vinte ou se o ato for praticado habitualmente ou com fim de lucro". Felizmente esse artigo não figura no Código Penal Italiano, de 1930.
No segundo Congresso Internacional de Sexologia e Reforma
Sexual, reunido em 1928, em Copenhague, discutiu-se o assunto, propondo-se a
suspensão desse delito, que não figura no Novo Código da Rússia Soviética.
Se bem que na Espanha não sejam também mais punidos pelo
Novo Código, os homossexuais, Marañón afirma que "desgraçadamente os
costumes policiais do seu país não honram a elevação do pensamento da nova
legislação, infligindo penas graves e mortificações deprimentes aos
homossexuais que caem nas mãos dos agentes de Polícia".
No Brasil o Código Penal, em seu artigo 266, faz referência
"aos atentados contra o pudor de um ou de outro sexo, por meio de
violência ou ameaças, com o fim de saciar paixões lascivas ou por depravação,
com pena de um a oito anos".
O projeto recente da Comissão Legislativa é mais explícito
sobre o assunto e tem mesmo um capítulo especial, com o título de
Homossexualismo, cujo artigo 258 diz: "Os atos libidinosos, entre
indivíduos do sexo masculino, serão reprimidos quando causarem escândalo
público, impondo-se a ambos os participantes detenção de até um ano. Punir-se-á
somente o sujeito ativo e a pena será a de prisão: (I) – por um a três anos,
quando por violência ou ameaça grave, tiver constrangido o outro participante a
tolerar o ato, ou este, por deficiência física, permanente ou transitória,
acidental ou congênita, for incapaz de resistir a esta situação; (II) – por
dois a seis anos, quando a vítima for menor de 14 anos, caso em que, para
punição, se prescinde do escândalo público. Parágrafo único: Tratando-se de
anormais, por causa patológica ou degenerativa, poderá o Juiz, baseado em
perícia médica, substituir a pena por medida de segurança adequada às
circunstâncias".
O Projeto constitui um passo à frente na solução do
problema, pois prevê a hipótese da perícia médica, a fim de permitir ao Juiz a
substituição da prisão pela internação, mostrando assim o grau de cultura de
seus autores. Excluindo, porém, a homossexualidade feminina que existe, se bem
que mais rara, ficaria o problema encarado por uma face unilateral.
Distinguindo o indivíduo ativo do passivo, os termos propostos para a questão
não estariam de acordo com as ideias hoje dominantes, explicação científica de
tais anormalidades.
Kraft-Ebing, no fim do século passado, referia que a
estatística criminal mostrava o fato triste de, na civilização atual, os
delitos sexuais crescerem progressivamente e, em especial, os atos de deboche
com menores de 14 anos. E acrescentava: "O moralista vê, nestes fatos, uma
decadência de costumes gerais, e chega à conclusão de que a grande doçura dos
legisladores modernos, na punição dos delitos sexuais, comparada ao rigor dos
séculos passados, é, em parte, a causa desse aumento". Explicando como as
novas causas de excitação da vida de hoje concorrem para forçar o aumento de
tais perturbações na esfera sexual, o psiquiatra alemão chamava, desde essa
época, a atenção dos juízes e legisladores para a importância da contribuição
da ciência médica na explicação de atos sexuais tidos como monstruosos e
paradoxais. E concluía: "Uma justiça que só aprecia o ato isolado e não o
seu autor, arrisca de lesar interesses importantes não só da sociedade como do
próprio indivíduo. Em nenhum terreno criminal é mais necessário do que nos
delitos sexuais, que os estudos do magistrado e do médico legista se completem,
porque só o exame antropoclínico do paciente pode trazer a luz".
Estes conceitos, escritos há mais de cinquenta anos,
precisam ser repetidos, ainda hoje, perante os nossos mestres de Direito Penal.
Eis por que de novo quero relembrá-lo aqui, para que, uma vez ainda, nós, os
criminalistas brasileiros, médicos e juízes, possamos colaborar nessa obra de
ciência e de humanidade, que é o estudo científico dos homossexuais.
Um magistrado inglês, nessa mesma época, ao pronunciar a
sentença que condenou Oscar Wilde e Alfredo Douglas, disse, entre outras, estas
palavras que ficarão como uma eterna humilhação não só para a justiça daquele
grande povo como para a própria humanidade: "Nunca tive, até hoje, em toda
a minha vida, que julgar uma causa tão vil como a vossa. É preciso fazer uma
violência para não traduzir, numa linguagem que não quero empregar, os sentimentos
que devem nascer na alma de todo homem honrado, para quem a palavra pudor não é
expressão vã, depois do conhecimento das minúcias desse processo ignóbil. Eu
não tenho a menor dúvida de que o Júri pronunciou uma sentença justa. É inútil
que eu vos faça uma lição de moral. Os que praticam atos como os vossos
perderam todo o sentimento de vergonha e nada se poderia, pois, esperar de vós.
A vossa causa é a mais vil que eu já tive de julgar. Nestas condições, devo
tornar a sentença a mais severa que me permite a lei que é ainda muito
indulgente para os crimes da natureza dos vossos. Eu vos condeno, pois, a 2
anos de prisão, com trabalhos forçados".
Em vez de castigo, tratamento
Quer se adote a teoria psicogenética do homossexualismo,
quer se aceite a razão endocrínica, em qualquer das hipóteses teremos que
modificar a nossa atitude diante dessa classe de indivíduos, cada vez mais
numerosa em todos os países civilizados, de tal modo que, na Alemanha, as
estatísticas afirmam a existência de um invertido para cada trinta indivíduos
normais. Os partidários de Freud e seus discípulos afirmam: "O castigo das
perversões sexuais é injusto e não tem a menor razão de ser. É pela educação, e
não pela penalidade, que se deve lutar contra elas. Os perversos sexuais são,
como os criminosos neuróticos, entes hipermorais, pois suas perversões traduzem
o horror ao incesto e o desejo de escapar ao conflito do Édipo".
Marañón, defensor da explicação constitucional da inversão
sexual, declara textualmente: "Bloch diz que a Espanha foi das primeiras
nações a suprimir dos Códigos a selvageria de punir homossexuais. Devemos nos
orgulhar disso, já que se sabe que castigar um desses indivíduos não é somente
uma insensatez, no campo científico, mas sobretudo uma tática inútil, sob o ponto
de vista social, porque, além de desumana, é praticamente ineficaz dada a
psicologia peculiar a esses infelizes. Haja vista a extraordinária
recrudescência da homossexualidade na Inglaterra, depois do escandaloso
processo movido contra Oscar Wilde. O invertido (acrescenta o mestre espanhol),
é tão responsável pela sua anormalidade quanto um diabético de sua
glicosúria".
Tem razão, pois, Afranio Peixoto, quando aconselha: "Em
vez de anatematizar e fazer chover o enxofre e os raios sobre a Sodoma e a
Gomorra dos vícios contra a natureza, mais inteligente será, compreendendo esse
erro, tratar de corrigi-lo. Em vez da condenação, um diagnóstico e o devido
tratamento".
Será mais justo e mais científico.
LEONIDIO RIBEIRO (1893-1976)
Foi médico – inicialmente cirurgião, posteriormente criminalista – professor de medicina legal, diretor do Gabinete de Identificação da Policia Civil do então Distrito Federal (década de 1930 – Rio de Janeiro) e criador, nesta mesma instituição, de um Laboratório de Antropologia Criminal
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